“Estamos basicamente sendo informados de que não existimos por pessoas que deveriam nos proteger”: Munroe Bergdorf fala sobre questões trans

“Estamos conversando sobre as coisas erradas”, diz a modelo e ativista trans Munroe Bergdorf. Ela diz isso com resignação e o suspiro exausto de quem já teve conversas erradas muitas vezes. Nós nos encontramos pelo Zoom em uma manhã de quarta-feira e, sem querer, acabamos entrando exatamente em uma dessas conversas. “Mas banheiros neutros estão em toda parte!”, diz ela com uma risada, exasperada. “As pessoas nunca andaram de avião?”

No seu comovente livro de memórias Transitional, Munroe quer falar sobre questões trans de verdade. Parte autobiografia, parte polêmica, o livro é uma jornada envolvente pelas alegrias e decepções da vida dela. “Parece que entrei na sua cabeça”, digo. “Que bom”, ela responde. “Esse é o objetivo.” Como não poderia deixar de ser. Quantas pessoas preocupadas com banheiros já tentaram entender uma pessoa trans? Empatia talvez seja a maior lição de Transitional.  

“Queria que as pessoas percebessem que ser trans é uma experiência humana. Gênero é uma experiência humana”, diz ela sobre a base universal do livro. “Os limites são estabelecidos por seres humanos, por isso podemos transitar por eles e ultrapassá-los. Isso serve para todo mundo, não só para pessoas trans.”

A própria “transição” de Munroe – sua jornada – é comum. Ela retrata sua infância inocente na vila inglesa de Stansted Mountfitchet e as armadilhas típicas da infância, além de passagens maravilhosas sobre o zoológico de insetos que coletou. Como leitores, ficamos tão arrasados quanto ela quando a puberdade parece destruir tudo e trazer consigo percepções cruéis sobre a realidade de ser da única família miscigenada na vila e a única pessoa queer não branca que conhecia. Forças externas invadindo seu mundo interno é um tema recorrente e traumático na vida de Munroe. 

Ela é incrivelmente sábia sobre a interseccionalidade dessas forças; a misoginia sendo a raiz da violência, do racismo e da homofobia infligidos a ela. Sua opinião sobre a responsabilidade governamental é veemente: “Eles basicamente defendem o genocídio”, declara. “Não há outra explicação quando somos privados de direitos, expulsos de espaços e negados cuidados de saúde, amor e dignidade. Estamos basicamente sendo informados de que não existimos por pessoas que deveriam nos proteger, e isso causa a morte de pessoas.” 

Para Munroe, encontrar sua voz foi tão essencial quanto moldar sua verdadeira identidade, mas ela fala honestamente sobre o caos indesejável que o ativismo traz à sua vida. “Isso trouxe, mas também tirou, minha paz”, destacando a turbulência que a luta por uma causa pode gerar. “Por muito tempo, fui a única modelo negra trans representando toda a comunidade. Espero que um dia as pessoas trans possam ser contratadas por quem são, não pela identidade que representam. Quero ver uma mulher trans apresentando um programa de jardinagem comum, sabe?”

Ela ri, e sua risada é uma gloriosa invocação da alegria pela qual tanto lutou todos esses anos. O processo de escrever o livro de memórias (que levou mais de cinco anos, incluindo um lockdown durante a covid-19 e uma passagem reveladora por uma clínica de reabilitação) deu a ela uma percepção totalmente nova da sua vida: uma posição de clareza e, como afirma o último capítulo do livro, um propósito. “Sou uma pessoa diferente de quando comecei a escrever”, diz ela sorrindo, sabendo que estou prestes a dizer a mesma coisa. “É, eu sei. Outra transição!”
Transitional: In One Way Or Another, We All Transition, de Munroe Bergdorf (£14.99, editora Bloomsbury), foi publicado no Reino Unido no dia 16 de fevereiro

Marie-Claire Chappet é jornalista de arte e cultura, editora colaboradora da Harper’s Bazaar e mora em Londres